“Ser Galo”, uma questão existencialista.
“Ser Galo”, uma questão existencialista.
“Desde o ventre até o caixão”, diz a frase na camiseta do ‘Movimento 105 Minutos’, um grupo de atleticanos que desde 2006 tem por objetivo apoiar o Clube Atlético Mineiro durante os 105 minutos de partida. “Uai, – perguntaria um desavisado ou um cruzeirense – mas a partida não tem apenas 90 minutos?”. “Não, tímido povo – explicaria – para o atleticano, o futebol é uma mera tese, a partida uma antítese e o Galo é a síntese dessa dialética dada de forma existencial.”
Saindo da alegoria filosófica que nos move, vamos àquilo que nos arrasta: os testemunhos. Provavelmente você já ouviu ou já disse frases do tipo: “meu filho quando nasceu não chorou, gritou Galo” ou ainda, como tuitou meu amigo Marlúcio Pinho, da GaloCAMp, “nunca tive espermatozoides de outro time, senão o Galo”. Levamos nossos filhos, desde que eram recém-nascidos, aos estádios e aos jogos dos consulados. Arrastamos também os sobrinhos, os netos, os enteados… Convencemos nossas/os companheiras/os a irem com a gente nos jogos, e estas/es passam a adotar o Galo como time de coração, porque, como disse em 2012 minha esposa, gaúcha e gremista: “o atleticano torce de maneira diferente”. E não paramos por aí: compramos uniforme do Galo, livro do Galo, pelúcia do Galo, caderno do Galo, placas do Galo, preservativos do Galo; para nós e para toda a família. Investimos caro, porque “ser Galo” é coisa séria. E o que falar quando um copo cai e se espatifa ao chão? O que “xingar” quando um barbeiro infeliz nos fecha no trânsito? Como reagir se vemos na rua um desconhecido com a camisa do Galo? Os sentimentos, nesses casos, revelam-se de maneira diferente, contudo, a reação é quase sempre a mesma: Gaaaaaaloooo… – gritamos.
Sim, nós assistimos 1 milhão vezes aquele pênalti onde “eu vi Riascos ir pra bola e Victor de bico isolar”, e choramos outras 1 milhão de vezes. Dúvida que qual filme assistir no NetFlix? “O dia do Galo”, ora bolas. Passamos a semana sem graça quando não tem jogo do Galo e damos graças a Deus quando o Galo entra em campo. E, religiosamente, ensinamos nossos herdeiros a cantar o hino mais lindo do mundo – “NÓS SOMOS DO CLUBE ATLÉTICO MINEIRO” – como que forjando a identidade atleticana que nos faz, na diversidade, sermos um só.
Sei que essa “doutrinação” não é privilégio nosso. Muitos torcedores de outros times fazem algo parecido. A diferença nossa para com os outros torcedores é que “ser Galo” é, sobretudo, ser reconhecedor de nossa própria história que tece, por conseguinte, nossa identidade. Em outras palavras: a vida nos fez e faz Galo. Retomando o conceito filosófico existencialista, antes de ter a consciência explícita da situação como torcedor de um time de futebol, o atleticano amadurece na coexistência vivida, na percepção dos obstáculos comuns à atleticanidade, o que caracteriza o Clube como verdadeiro time do povo. E mesmo que cronologicamente não tenhamos visto alguns episódios, a atleticanidade nos faz vivenciar aquela derrota amarga ou aquela doce vitória como um sujeito que se apossou da narrativa histórica de um Clube que se confunde com a sua torcida. E aí ocorre a síntese que nos faz bradar: “aqui é Galo, porra!”.
Ora, se em nossa história temos o sem-mãe J. R. Wright; em nosso hino cantamos que “nós somos campeões do gelo”, no ‘white’ gramado europeu de 1950. Se nos causa revolta a lembrança do “bueno canalha Aramengão”; ainda mais devemos conhecer a Taça Bueno Brandão (primeiro torneio de futebol de MG, 1914). Se as injustiças sofridas ao longo do tempo ainda nos bloqueiam; curtem e compartilhem as viradas históricas da Copa do Brasil de 2014 em cima do “Flamengaço-classificadaço”.
Talvez esse último parágrafo não diga muito aos novos torcedores. Mas deveria dizer. Querendo ou não, surgiu no meio da torcida atleticana aquele tipo #galostentação. Encantados pelos recentes títulos e às boas companhas nos campeonatos, criaram-se os torcedores sem memória, mal-acostumados, mimados, exigentes e “modinhas”. São atleticanos também, claro, mas que ainda não fizeram a síntese, ou se já fizeram, estão ofuscados pela vaidade. E vaidade, caro/a leitor/ra, sabemos muito bem quem gosta. Acho que esses atleticanos de poltrona e PFC se transformaram em meros “admiradores do bom futebol”; filhos da geração David Luiz que “só queria dar alegria ao meu povo”; enfim, estão estagnados na antítese dos 90 minutos de partida.
Pegando novamente emprestado a filosofia existencialista de Sartre, para o atleticano “a existência precede a essência.” (SARTRE, 1970. p. 218). Isso significa que “o homem primeiramente existe, se descobre, surge no mundo; e que só depois o define.” (idem). E se o que me define é a minha história, percebo, assim, que tudo o que aprendi de meus antecessores sobre o Clube Atlético Mineiro faz parte da minha identidade, ou seja, a ATLETICANIDADE. Deste modo, “o homem é, não apenas como ele se concebe, mas como ele quer que seja, como ele se concebe depois da existência, como ele se deseja.” (ibidem. p. 216). Mas quando e como isso ocorre? Ora, isso é fenomenologia, parça! O que importa é a síntese bem-feita ou honestamente resgatada; a consciência de si, e o reconhecimento em “ser Galo”. O canto, agora, iniciará de um modo novo e livre: “NÓS SOMOS DO CLUBE ATLÉTICO MINEIRO”.
Pedro Lima Junior é pai, professor de História e atleticano. De Juiz de Fora/MG, mora em Campinas/SP desde 2013.
Escreve no Blog da GaloCAMp todas quintas
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